A Festa do Bode


A festa do Bode. Nome bastante curioso, não? Lembra algo como as brigas de galo, as touradas, a farra do boi, ou seja, manifestações populares que utilizam os animais a seu bel prazer. Eventos que visam mostrar o poderio do ser humano sobre o animal, como se precisássemos provar a todo instante que sobrepujamos e dominamos a natureza.

Primeiro se provoca a fúria no bicho, aguçando-lhe os instintos que suprimimos há tempos – o homem contemporâneo raciocina mesmo quando comete as maiores atrocidades – e depois ocorre o enfrentamento, a hora da verdade. Extirpa-se o “arcaico” e “primitivo” em detrimento da “evolução” e da “civilização”.

Um processo bastante lógico, se não fosse completamente ilusório. A figura do Bode, no livro de Mario Vargas Llosa, representa o caudilho Rafael Leônidas Trujillo Molina, o Pai da República Dominicana, que chegou ao poder na década de 30 e só o deixou em 1961, ao ser assassinado.

Um tirano como tantos outros presentes na história da América Latina – Vargas, no Brasil, Pinochet, no Chile, entre outros. Populista, vaidoso, acreditava ser o representante de Deus na República Dominicana, tal como o pensamento que Jean Bodin difundia no século XVI, que conferia ao Estado poderes absolutos, ignorando as liberdades individuais do ser humano.

Trujillo ordenou várias prisões, torturas e execuções. Todas as instituições do regime gravitavam em torno de si. Estimulava a competição por sua atenção entre seus subordinados mais chegados. Achava graça da guerra de nervos a que expunha os homens que constituíam o alicerce de sua gestão. Mantinha relações sexuais com todas as mulheres que lhe convinham, inclusive com as esposas de funcionários dos escalões mais altos de seu governo.

Diziam que um olhar do Bode penetrava a alma e desnudava quaisquer pensamentos. Sua perspicácia, no entanto, não foi suficiente para livrá-lo da emboscada que lhe tiraria a vida, em 30 de maio de 1961.

A década de 60 foi agitada no mundo todo. Como cenário para a teatral atuação de Trujillo, figurava o anticomunismo, acirrado pela revolução cubana. Os Estados Unidos apoiaram o governo da República Dominicana, enquanto este se mostrava contrário aos ideais marxistas. A instabilidade política do país, no entanto, culminou com uma série de sanções econômicas impostas pelos ianques.

Ciudad Trujillo, a Roma do imperador megalômano, voltou a se chamar Santo Domingo, após a extinção do tirano que assim denominou a capital, em 1936. Com a morte do Bode, veio a esperança de suprimir os “instintos” e dar origem à “democracia organizada”. Não foi bem isso o que aconteceu. A fragilidade ideológica e política, traço comum a quase toda a América Latina, impediu que a condução da esfera administrativa do país fosse tranqüila. Uma sucessão de ameaças e golpes tomou o país. A relativa estabilidade foi alcançada durante o governo de Joaquín Balaguer.

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