À espera da chuva


Não quero ser sua amiga
Nem ouvir as confidências ou desabafos que porventura poderá fazer
Não quero manifestações fraternais
Nem frases bem construídas, testes, explanações nada práticas
Quero o suor, o êxtase, a pele escorregadia
A boca seca, o desgrenho dos cabelos, as mãos perdidas
O exorcismo dos fantasmas passados talvez ocorra nesse ano incipiente
As tardes oníricas, os sorrisos ao horizonte, as brisas gentis
Irão se despedir como as brumas no alto das estradas, que vêm e vão
As poesias de um tempo remoto serão apagadas, uma a uma, letra por letra
Cada frase de amor ou dor, impressa ou proferida, se esvairá
Gota a gota, até que todo sentimento seque
A chuva virá e potencializará o campo estéril
E as cores e sabores voltarão a existir
O medo do amanhã será apenas uma tênue lembrança
E o adeus uma mera alegoria desbotada
Enquanto as nuvens apenas se formam
A água brota em meus olhos
É um pequeno filete, que não conhece seu destino final
A descer vagarosamente pela face e desaguar na boca
A mesma cavidade outrora amada e beijada com fervor
Agora é consolada pela água e só a água poderá salvá-la
De toda a amargura dos dias sem luz!
Uma página em branco, um amor vindouro, uma nova existência...

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