Ciclos


Da vida, da natureza, dos objetos

Hoje chove. A água proveniente do céu mexe com todos os sentidos. Observar sua dinâmica traz reminiscências de uma época agradável, constituindo um convite irrecusável à nostalgia. O som dos pingos batendo contra o chão desperta a sensação de varredura do passado e de novas possibilidades. O cheiro característico, inconfundível, de terra molhada é tão intenso numa área urbana e de poucos trechos não asfaltados quanto aquele incidente nos confins em que o progresso tarda a chegar.
Ora o fluxo se intensifica, ora a calmaria reina. Como a própria vida. As agonias e os prazeres cotidianos seguem a mesma lógica. Olho a lavagem das fachadas dos prédios vizinhos. O panorama é cinza, como o semblante de um homem solitário, debruçado numa janela, esperando que algo importante lhe suceda.
Volto a pensar no sentimento pretérito, na passagem abandonada, esquecida como uma roupa fora de moda, um livro de um cientista cuja tese fora ultrapassada, um disco antigo. Elementos acumuladores de pó e lembranças. Valores agregados: o homem que faz uma mulher se sentir acalentada, quando surge em seu caminho, é uma espécie de complemento, que tornará sua existência extasiante. A roupa poderia ter sido dada por um ente querido ou adquirida numa liquidação divertidíssima, ou quiçá ter sido usada numa ocasião inesquecível. Uma teoria, causadora de frisson em outra época, esquecida e suplantada. O disco juntamente com uma vitrola, há muito trancafiados em um armário, representam recordações deixadas pelos avós. Pessoas, objetos, pequenos desdobramentos diários. A importância deles sempre é efêmera. Proporcionam alegrias, saudades e, posteriormente, uma vaga menção. São arrastados abruptamente, seja por acontecimentos arrebatadores, rotina ou simplesmente pelo vazio.

Postagens mais visitadas