Renato Russo e Senna: minhas lembranças viraram história

O que vivi na infância e pré-adolescência está virando relato histórico, como as façanhas dos navegadores quinhentistas ou as obras primas de artistas de todos os gêneros. Estão sendo lançadas edições especiais da obra da genial Legião Urbana e a vida de Ayrton Senna chega à telona por meio de um documentário produzido pela Universal.

Como era de se esperar, a redescoberta destes ídolos que despertaram verdadeiras paixões (e desafetos, talvez), estimula a produção de novas reflexões sobre o impacto provocado por eles — ícones da música e do esporte — na cultura pop nacional. Esta aqui é um exemplo.

O propósito aqui não é esmiuçar a trajetória de Renato Russo (e cia.) e do piloto-herói, apenas relembrar de uma época que ficou perdida no tempo, talvez fazendo companhia, em alguma estante antiga, aos LPs de Chico, RPM e outros artistas que cristalizaram sua obra nos bolachões — hoje também artigos de museu.


Minhas percepções sobre o mundo alcançam três décadas. Nos anos 80, fui criança, ouvi Legião e só apreciava a cantoria de: “Acho que gosto de São Paulo, gosto de São João; gosto de São Francisco, de São Sebastião”. E detalhe: não imaginava o que ele queria dizer quando cantava que gostava de meninos e meninas!

Nos anos 90, vivi o finzinho da infância e a maior porção da adolescência. Nessa fase, todos os domingos já tinham roteiro pronto: almoçar na casa da avó e esperar o grito de “Ayrton...Ayrton...Ayrton Senna do Brasil”, que ecoava emocionado da garganta do figura Galvão Bueno.

Em pouco mais de dois anos, ficamos órfãos de dois homens que souberam como ninguém mexer com as emoções do brasileiro. Senna morreu em 1º de maio de 1994, na pista, fazendo o que mais gostava: sendo lunático e genial, tímido nas palavras e arrojado ao volante. Já Renato Russo (que pode ser a metonímia da Legião) foi vítima do “mal dos anos 80”, a Aids, deixando um legado de poesia, protesto e o sentimento de sua geração, que viveu o final da ditadura e o consumo contínuo da cultura enlatada.

Voltando à Legião, pude compreendê-la melhor no final da década de 90, início dos anos 2 mil. Reuníamos uma turma que curtia tocar violão e bebericar vinho barato nos finais de semana. Os hits do passado, gringos e brasileiros, de Pink Floyd a Tim Maia, compunham a set list das noites musicais. Pais e Filhos, Quase sem Querer, Vento no Litoral e Faroeste Caboclo estavam no top 10.


Trechos como os abaixo estavam presentes em todos os momentos, tornando-se hinos tardios de uma geração, como a nossa, que não encontrava ídolos contemporâneos para se inspirar:

"É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã".

“Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria...era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”.

“Já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim”.

“E não é que Santo Cristo tava certo, seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar. Se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar”.

E assim, minhas lembranças hoje viraram história para quem está chegando agora e acha que foi o Fiuk que inventou a moda do decote generoso (Caetano fazia isso nos anos 60, mas essa já é outra história).

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