O estranho afável

Boa praça, como diria minha avó. Assim era aquele sujeito com riso frouxo, andar tranquilo de passos cadenciados, óculos sempre caindo - à espera de um pequeno ajuste no nariz, e tagarelice típica dos simpáticos, como ele, e dos chatos de galocha - outra palavra do vernáculo dos nossos ascendentes.

Todos os dias pegava a mesma condução que o levava ao trabalho cansativo e enfadonho, que exercia há mais de 20 anos. Pela aparência e compleição, contava de 50a 60 anos, mas, pela infantilidade de seus gestos, ficava difícil determinar sua data de nascimento.

Olhando bem para o seu rosto, se sua cabeça fosse adornada por uma cartola e seu corpo se transformasse em sabugo, facilmente teríamos a presença do Visconde de Sabugosa. Algo naquele bom-mocismo me amedrontava. Era impossível não sentir uma certa angústia diante daquele mascarado, fingido — pensava comigo. Por trás daquele sorriso forçado, havia uma alma perigosa.

Mentia que era casado e tinha uma filha adolescente. Simulava ligações para casa, dizendo que estava chegando e todos em volta ficavam comovidos com o carinho que nosso personagem dispensava à família. Na verdade, ele era só e odiava a humanidade. Cometia crimes virtuais, desviando dinheiro de pessoas ingênuas em transações pela internet.

E não era só: fazia-se passar por pessoas diferentes, em cidades distintas, para dar golpes. Viajava nos finais de semana, para não despertar suspeitas, e voltava para casa no final do domingo. Esperando por ele, somente um par de gatos por quem sentia um afeto superficial. Para ele, conservar os animais era uma forma de ter um pouco de movimento perto de si.

Ele acabou de retornar do último golpe. Está arquitetando o próximo.

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