Quero uma biblioteca mental

Essa carta não sei a quem remeteria. Mas já a escrevo decidida a não enviá-la a ninguém que saiba ler. Quero transformar o seu conteúdo em algo cortante. Algo que choque. Que tenha a função de representar - já que não é possível sintetizar - todos os meus "bichos" internos. Terapia solitária de um dia qualquer. Um dia que começou no mesmo horário que os demais, assim que o despertador emitiu seu grunhido invasor.

Levantei; banhei-me; olhei-me no espelho e fiz a pergunta que repito sempre: "quem é você"?; "o que você quer da sua vida"?; "o que você fará com todas as horas e minutos subsequentes?". O espelho não responde às minhas indagações, então saio pelas ruas rumo ao local de sempre e me detenho nos olhares das pessoas que também se encaminham a mais uma etapa de suas rotinas.

Nunca constatei um olhar cheio de sentido. São todos vagos. Se eu pudesse captar aqueles pensamentos perdidos no meio da multidão, certamente perceberia que a maioria estaria focada em aspectos completamente alienígenas àquele momento. Os temas versariam sobre o próximo feriado, o novo amor, aquele que se foi, a doença da mãe, os planos para o casamento, as dívidas que se acumulam...

Minha mente ferve; não para de trabalhar, se alternando em processar os fatos que acontecem em tempo real e os fragmentos do passado, os sentimentos mal-resolvidos, os sonhos acalentados para o futuro. Será que alguém tem uma mente tão caótica quanto a minha?

Pensando bem, meu relato não está cumprindo o papel de chocar, uma vez que meu "superego" age agora também. Talvez jamais consiga transformar em palavras o fluxo intenso de sensações, pensamentos e ideias que habitam a minha mente. Uma piração completa e desordenada. Quisera construir uma biblioteca e criar um acervo separado por letras, temas e sei lá que critérios de hierarquização de informações. Se eu fosse um computador, apagaria parte da memória e iria inserir uma novinha em folha, pronta para receber novos dados.

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