Máscaras trágicas e cômicas

Domingo. Quase um mês para o Natal. As ruas e as vitrines ensejam o início das decorações em verde e vermelho. A procura por presentes, o agendamento de confraternizações e os planos para as festas estão em todas as conversas.

Nesse mesmo dia, uma lágrima brotava em uma das faces de Patrícia. A outra face sorria. Um jogo de emoções parecido com as máscaras que representam o drama e o riso teatrais. Um maniqueísmo quase pop, uma homenagem ao Duas Caras, antagonista de Batman.

Pela manhã, enquanto pensava na vida e em tudo o que havia programado para aquele dia, o telefone tocou. Do outro lado da linha uma notícia hedionda. Uma bofetada desferida por meio de áudio. Uma gota de veneno em qualquer boa intenção que poderia ter para com o mundo.

A voz contou que o anjo havia sido profanado. Houve sangue, mas por sorte, a inocência é algo que não se perde quando o ser puro desconhece o teor do mal e as facetas que ele assume.

Quem deveria amar, proteger, destrói (ou tenta destruir) tudo o que há de mais bonito e efervescente; aniquila a delicadeza de um botão antes que ele se transforme na mais bela obra da natureza.

Mas a vida a tudo repara. Os cacos se unem. E tudo volta a seguir seu curso. No entanto, as marcas ficam ali o tempo todo. Para nos mostrar que podemos até perdoar, mas esquecer, jamais.

E para mostrar que tudo tem, no mínimo, dois lados, Patrícia, na noite daquele mesmo dia, ouviu uma das crônicas mais bonitas de sua existência. Um casal de velhinhos prestes a completar seis décadas de enlace falava da relação que haviam construído com pássaros das cercanias.

Essa história começou com o gosto do Sr. Gomes pelas aves. Além de manter as suas domésticas, tem paixão por todos os espécimes desses animais. A demonstração do seu carinho começa pela conversa com os bichos e as repetidas frações de alimento que ele oferta aos pássaros diariamente. São rolinhas. Elas se amontoam na área de serviço do apartamento para receberem afeto e o combustível necessário para completarem sua jornada.

O Sr. Gomes conta que às vezes algumas delas não se satisfazem com as palavras e a comida recebidas: em certo dia, uma das rolinhas escondeu-se no armário e pregou-lhe um susto, que rendeu boas risadas e assunto para vários dias. Esses pássaros que não podem retribuir o amor com afagos ou palavras, dão uma lição muito importante: uma boa companhia, mesmo quieta, às vezes já é o suficiente para disseminar alegria.
A vida tem dessas. Lágrimas e sorrisos convivem lado a lado, em linha tênue, como se um dependesse do outro para sobreviver.

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